domingo, 25 de janeiro de 2015

A NATUREZA DA JUSTIÇA EM BOBBIO: A IGUALDADE

            O primeiro texto clássico acerca da noção de justiça foi o livre V da Ética a Nicômaco, de Aristóteles. Neste texto, a justiça é analisada a partir da ideia de legalidade e de igualdade. Aristóteles analisa as diversas formas de justiça, destacando principalmente a corretiva (comutativa) e a distributiva e diferencia a justiça no sentido estrito e a equidade.

Esse estudo [...] foi assumido como se tivesse de uma vez para sempre tudo o que se poderia dizer sobre o assunto. [...] Disso decorre uma desanimadora monotonia das análises sobre a justiça nos clássicos da filosofia medieval e, em parte, moderna, que dão a impressão de ser uma série de variações sobre um mesmo tema ou sobre uns quantos temas fixos, de valor analítico limitado. Na época moderna, a maioria dos clássicos em filosofia política e jurídica, cuja referência é obrigatória no debate atual não dedicou grande atenção ao estudo do conceito de justiça, com exceção de Hobbes (BOBBIO, 2003, p. 09).

            A vinculação entre justiça e lei está presente em Aristóteles. “O sentido predominante de ação justa é o de ação realizada com apego a uma lei” (BOBBIO, 2003, p. 09). Atribuir o significado de justo ao homem: segundo Bobbio, um homem “justo pode ser tanto um indivíduo respeitoso a lei como um homem equânime, que afirma imparcialmente o que é correto e incorreto” (2003, p. 09). Em relação a equidade, a justiça relaciona-se com a igualdade. Por exemplo, “‘sentença justa’ pode ser tanto aquela proferida por um juiz que tenha estrito apego à lei como a decisão equitativa que respeitou a regra geral do tratamento igual aos iguais” (BOBBIO, 2003, p. 09).
Portanto, em Aristóteles, além da justiça estar vinculada a questão da legalidade, ela está vinculada também a questão da igualdade. Definir a ação justa como a ação conforme a lei, surgem inevitavelmente as seguintes perguntas: o que são leis justas? E leis injustas? Devemos cumprir as leis consideradas injustas? “Pode ser chamada justa tanto uma lei (inferior) conforme a uma norma (superior) [...] como uma lei igualitária que elimina uma discriminação, suprime um privilégio ou, por simetria, um tratamento odioso” (BOBBIO, 2003, p. 09).

Da redução do assunto da justiça a um problema de legalidade (ou legitimidade) decorre a concepção legalista da justiça, segundo a qual é justo o que se manda pelo simples fato de ser mandado (é claro que por uma autoridade superior, detentora do poder legítimo de promulgar leis) e é injusto o que está proibido pelo simples fato de estar proibido. Neste sentido pode ser interpretada a teoria hobbesiana, segundo a qual, no estado de natureza, precisamente pela falta de leis válidas e eficazes, nenhum critério permite distinguir uma ação justa de uma injusta. Apenas no estado civil teria sentido falar de justiça e injustiça (BOBBIO, 2003, p. 10).

O problema do legalismo é conhecido também como o problema do formalismo jurídico (que foi investigado na crítica que Hegel fez a concepção abstrata do imperativo categórico kantiano).
            A concepção da justiça a partir da igualdade destaca que “qualquer lei assegura uma primeira forma de igualdade, a formal, entendida como tratamento equitativo dos que integram um mesmo grupo” (BOBBIO, 2003, p. 11). A regra de justiça diz que a lei deve oferecer tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais. Quando não há uma lei para um determinado caso, o juiz deve julgar caso a caso. Porém, ao julgar caso a caso há os seguintes problemas: ele pode julgar casos semelhantes de diferentes maneiras ou ainda casos diferentes do mesmo modo.

Mesmo a chamada justiça de cádi não é arbitrária, pois leva em conta as normas preestabelecidas, sejam elas de caráter religioso ou moral, transmitidas por costume ou sugeridas por decisões precedentes de outros juízes ou por jurisprudências. Até mesmo quando o juiz se encontra diante de um caso novo, antes de romper totalmente com a tradição, ele usa om raciocínio por analogia, cujo pressuposto é o de que até o limite do razoável o caso novo deve ser resolvido da mesma forma como forma tratados casos similares pela lei, e cujo propósito é, mais uma vez, a não-divergência no tratamento de assuntos que podem ser incluídos em uma única categoria geral. (BOBBIO, 2003, p. 12).

A concepção que relaciona lei e igualdade (equidade) é a concepção que origina o Estado de Direito, ou seja, o governo das leis é superior ao governo dos homens. A lei, destarte, assegura tratamento igual a todos, deferentemente do governo dos homens, que podem realizar julgamentos arbitrários. Na obra As suplicantes, Eurípedes faz Teseu afirmar o seguinte:

Em uma cidade não há pior inimigo que um tirano quando não há leis gerais, e um só homem tem om poder, ao fazer ele mesmo a lei; e não há nenhuma igualdade. Quando, ao contrário, há leis escritas, o pobre e o rico têm direitos iguais, sendo possível que os mais fracos contestem o poderoso, quando este os insulta, e om pequeno, quando tem razão, possa vencer o grande (v. 429 – 437) (in BOBBIO, 2003, p. 12).

            O princípio da igualdade está presente em todas as Constituições dos Estados contemporâneos. A primeira Constituição a destacar esse princípio foi a Constituição Francesa de 1791. O princípio da igualdade não significa que todos os cidadãos sejam iguais.


Pode-se entendê-lo de duas diferentes maneiras, conforme esse preceito seja dirigido aos juízes ou ao legislador. Orientado para os juízes, pode ser traduzido da seguinte maneira: ‘A lei deve ser igual para todos’, o que significa que a lei deve ser aplicada imparcialmente, e deve sê-lo porque só dessa maneira assegura tratamento igual para os iguais. [...] Dirigido ao legislador, o princípio é uma verdadeira e própria norma constitucional e pode ser reformulado do seguinte modo: ‘Todos devem contar com uma lei igual’. [...] Como a discriminação conforme a condição social é uma das muitas e diversas discriminações que existem nas diversas sociedades e também em uma mesma sociedade (o sexo, a raça, a etnia, a classe social, a religião etc. são motivos de discriminação), o princípio da igualdade diante da lei não tem um sentido unívoco. É preenchido de distintos conteúdos, de acordo com a maior ou menor amplitude das discriminações conservadas ou eliminadas (BOBBIO, 2003, p. 13-4).

Obra consultada: BOBBIO, N. Em torno da noção de justiça.

domingo, 4 de janeiro de 2015

DIREITOS HUMANOS E IMPERATIVOS GLOBAIS EM AMARTYA SEN

            Sen, em sua abordagem acerca os Direitos Humanos, destaca:

Há algo muito atraente na ideia de que qualquer pessoa, em qualquer lugar no mundo, independentemente de nacionalidade, local de domicilio, cor, classe, casta ou comunidade, possui alguns direitos básicos que os outros devem respeitar. O grande apelo moral aos direitos humanos tem sido usado par várias finalidades, desde a resistência à tortura, à prisão arbitrária e à discriminação racial até a exigência de eliminar a fome, a miséria e a falta de assistência médica em todo o planeta (IJ, p. 390).

O próprio conceito Direitos Humanos surgiu com o jusnaturalismo, no sentido de que os humanos têm certos direitos que são de sua própria natureza, de sua própria humanidade. Porém, essa visão foi duramente criticada por diversos autores, destaque para Bentham, que afirma que a utilização desse conceito é um absurdo retórico, “algum tipo de absurdo artificialmente elevado” (IJ, p. 391). Por outro lado, os ativistas não estão preocupados com as justificações conceituais, mas estão mais preocupados com a ação, com a mudança do mundo. Isso lembra a XI Tese sobre Feuerbach, de 1845, escritas por Marx: os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma diferente; trata-se, porém, de modificá-lo.

Às vezes supõe-se que, se um direito humano é importante, mas não tem força de lei, seria melhor tentar legislá-lo como um direito legal especificado de maneira precisa. Mas pode ser um erro. Por exemplo, reconhecer e defender o direito da esposa em ter voz efetiva nas decisões da família, muitas vezes negado em sociedades tradicionalmente machistas, pode ser algo de extrema importância. No entanto, os defensores desse direito, que ressaltam devidamente sua grande importância ética e política, muito possivelmente concordariam que não seria sensato converter esse direito humano numa “norma jurídica coercitiva” (na expressão de Herbert Hart), talvez resultando em pena de prisão para o marido que não consultasse a esposa. As mudanças necessárias teriam de ser alcançadas por outras vias, entre elas a exposição e crítica nos meios de comunicação, além de movimentos e debates públicos. Devido à importância que têm os meios de comunicação, as campanhas de defesa e denúncia e o debate público qualificado, os direitos humanos podem exercer influência sem depender necessariamente de uma legislação coercitiva (IJ, p. 400).

SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.




SOBRE A PENA DE MORTE

            O debate sobre a pena de morte é recente. Até o Iluminismo, não se questionava acerca dela, pois se considerava que ela era necessária. Desde Platão, a pena tem a finalidade de tornar o criminoso melhor (via da cura) e se o delinquente for incurável, a morte é um mal menor. Bobbio diz:

Platão diz em certo momento que eles devem “necessariamente pagar a pena natural”, ou seja, “padecer o que fizeram” [...]. Chamo a atenção para o adjetivo “natural” e para o princípio do “padecer” o que se fez. Esse princípio, que nasce da doutrina da reciprocidade – que é dos pitagóricos (mais antiga ainda, portanto, que a de Platão) e que será formulada pelos juristas medievais e repetida durante séculos com a famosa expressão segundo a qual o malum passionais deve corresponder ao malum actionis – atravessa toda a história do direito penal e chega até nós absolutamente inalterado (1992, p. 162).

            Portanto, além de legítima, a pena de morte era considerada natural.  Somente no Iluminismo (XVIII) é que ocorrem os primeiros debates contra a pena de morte. Beccaria é o primeiro autor a criticar essa pena. A crueldade das penas não é o melhor freio dos delitos, mas a sua infalibilidade; a intensidade da pena (pena de morte) não intimida tanto quanto a sua duração (prisão perpétua). Enquanto a pena de morte é muito intensa, a prisão perpétua é muito extensa. As penas não devem ser cruéis, mas certas. Essa forma de pensamento de Beccaria é utilitarista e contratualista.
           
O debate sobre a pena de morte não visou somente à sua abolição: num primeiro momento, dirigiu-se para a limitação dessa pena a alguns crimes graves, especificamente determinados; depois, para a eliminação dos suplícios (ou crueldades inúteis) que, via de regra, a acompanhavam; e, num terceiro momento, para a supressão de sua execução pública (BOBBIO, 1992, p. 167).

Segundo Bobbio, “o suplício é [...] a multiplicação da pena de morte: o suplício mata uma pessoa várias vezes” (1992, p. 168). A execução sempre era pública. Hoje, os Estados que ainda praticam a pena de morte, “a executam com a discrição e a reserva com que se executa um doloroso dever” (BOBBIO, 1992, p. 168).

Muito Estados não abolicionistas buscaram não apenas eliminar os suplícios, mas tornar a pena de morte o mais possível indolor (ou menos cruel) naturalmente, isso não quer dizer que o conseguiram: basta ler relatórios sobre as três formas de execução mais comuns - a guilhotina francesa, o enforcamento inglês e a cadeira elétrica norte-americana - para compreender que não é inteiramente verdade que tenha sido eliminado também o suplício, já que a morte nem sempre é tão instantânea como se deixa crer, ou se busca fazer crer, por parte dos que defendem a pena capital. De qualquer modo, a execução não se realiza mais à vista do público, ainda que o eco de uma execução capital da imprensa – e não se deve esquecer que, num regime de liberdade de imprensa, tem amplo espaço e difusão a imprensa sensacionalista – substitua a antiga presença do público na praça, diante do patíbulo (BOBBIO, 1992, p. 168).

As concepções mais comuns acerca da pena são duas: a retributiva e a preventiva. A via retributiva defende que por meio da pena retribui-se o mal causado e se o mal causado for a morte, então a pena de morte é justificada. Para a concepção preventiva, por outro lado, a função da pena não é retribuir o mal, mas desencorajar o mesmo e, portanto, a pena de morte somente é justificada se ela tiver força de intimidação maior que qualquer outra pena. Além dessas duas concepções, que são as mais comuns, há outras vias para a pena. Ei-las: a pena como expiação, como emenda e como defesa social.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.


DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS

            A concepção de dignidade de pessoa humana é valor-fonte para o debate acerca dos Direitos Humanos. Segundo Hayden (cf. 1965, p. XV), algumas das questões centrais sobre os Direitos Humanos são as seguintes: os Direitos Humanos existem? Qual a natureza e fonte dos Direitos Humanos? Quais são os Direitos Humanos e como eles são justificados? Qual é o modo de tutela dos Direitos Humanos? Os Direitos Humanos são universais ou relativos?
Através do jusnaturalismo é que houve a primeira conceituação de Direitos Humanos. Essa concepção jusfilosófica defendia direitos naturais aos seres humanos, independente das sociedades que os mesmos estavam inseridos. “Foi com o contratualismo, todavia, que despontou a exigência de reconhecimento e garantia dos direitos do homem pelo Estado, a fim de que se tornassem juridicamente exigíveis” (DELGADO in TRAVESSONI, 2011, p. 132). No final do séc. XVIII, entram em choque o racionalismo jusnaturalista, de um lado, e o historicismo e o utilitarismo, de outro (cf. BOBBIO; MATTEUCI; PASQUINI, 2000, p. 353).
Há três momentos dos Direitos Humanos no Direito: i) conscientização da existência de tais direitos; ii) positivação dos mesmos no ordenamento constitucional; iii) por fim, efetivação dos direitos através do reconhecimento no plano social (cf. SALGADO, 1996, p. 16).
Os Direitos Humanos foram classificados (MARSHALL, 1967) tradicionalmente por gerações. Porém, o termo geração vem sendo permanentemente criticado, pois o mesmo revela que gerações substituem-se de forma linear. O conceito empregado na literatura atual é dimensão. As três dimensões mais importantes são as seguintes: i) direitos civis e políticos (XVIII): essa primeira dimensão destaca os direitos de liberdade; o ser humano é visto como livre e independente em relação ao Estado; ii) direitos sociais, culturais e econômicos (XIX): a segunda dimensão é caracterizada pelo Estado Social; o indivíduo passa a ser visto dentro de uma coletividade e não isolado, conforme defendiam os contratualistas; iii) direitos da fraternidade e da solidariedade (XX): esses são os direitos da terceira dimensão e são conhecidos como direitos difusos. Os Direitos Humanos não se revelam de forma estanque na marcha histórica (cf. ROBLES, 2005, p. 07). Eles estão sempre em processo de construção e reconstrução (cf. ARENDT, 1989). Esse processo não é linear, mas cumulativo e quantitativo (cf. BONAVIDES, 2000, p. 517).
Em relação à tutela dos Direitos Humanos, há três grandes eixos que desempenham esse papel: eixo global, regional e nacional. O eixo global refere-se aos direitos estabelecidos nos tratados internacionais. A Declaração Universal de 1948 é um marco decisivo para o debate em um nível universal. Além da Declaração Universal há também o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). O eixo regional refere-se aos sistemas regionais de proteção (Europa, América, África, Asiático). O eixo nacional tem como base os direitos estabelecidos pelas constituições.

ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das letras, 1989.

BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINI, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, v. 1.

DELGADO, G. N. “Direitos Humanos”. Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. Travessoni, A. (Org.). São Paulo: LTr, 2011.

HAYDEN, Patrick. The philosophy of human rights. Paragon House: St. Paul, 1965.

SALGADO, J. C. Os direitos fundamentais. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, n. 82, p. 15-69, jan./1996.

MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

ROBLES, G. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. São Paulo: Manole, 2005.


DOMÍNIO DA VIDA EM DWORKIN

            O debate atual sobre o início e o fim da vida ocorre principalmente no âmbito religioso. Essa querela existe há milênios. Conforme Dworkin, o aborto, “que significa matar deliberadamente um embrião humano em formação, e a eutanásia, que significa matar deliberadamente uma pessoa por razões de benevolência, constituem, ambos, práticas nas quais ocorre a opção pela morte” (2009, p. 01). No aborto, opta-se pela morte antes que a vida tenha começado; na eutanásia, “depois que tenha terminado” (DWORKIN, 2009, p. 01).
            O debate sobre a eutanásia passou a ser recorrente. “Os médicos começam agora admitir abertamente algo que a profissão costumava manter em segredo: que os médicos às vezes matam os pacientes que pedem para morrer, ou os ajudam a acabar com a própria vida” (DWORKIN, 2009, p. 01). As leis nos países ocidentais não permitem isso[1]. Mas o parlamento holandês “declarou que os médicos que o fizerem não serão punidos se observarem certas normas jurídicas” (DWORKIN, 2009, p. 01).
            Já em relação ao aborto, o debate é ainda mais feroz do que em relação a eutanásia. “A guerra entre os grupos antiaborto e seus adversários é a versão norte-americana das terríveis guerras civis religiosas da Europa do século XVII” (DWORKIN, 2009, p. 02-3).  Ao tratar sobre o aborto, os dois lados não chegam a um consenso.

Um dos lados acredita que o feto humano já é um sujeito moral, uma criança não nascida, a partir do momento da concepção. O outro acredita que um feto recém-nascido não passa de um aglomerado de células sob o comando não de um cérebro, mas apenas de um código genético, e que, nesse caso, é uma criança tanto quanto um ovo recém-fertilizado é um frango (DWORKIN, 2009, p. 11).

Os argumentos utilizados pelos dois lados são incompatíveis. Mesmo assim, uma solução é necessária; uma resposta ao problema do aborto é urgente. Os oponentes ao aborto tem dois tipos de argumentos. O primeiro afirma que a vida humana inicia na concepção e que o feto é uma criatura com interesses próprios. O aborto, destarte, é um assassinato. O segundo diz que

a vida humana tem um valor intrínseco e inato; a vida humana é sagrada em si mesma; o caráter sagrado da vida humana começa quando sua vida biológica se inicia, ainda antes de que a criatura à qual essa vida é intrínseca tenha movimento, sensação, interesse ou direitos próprios (DWORKIN, 2009, p. 13).
           
Um dos argumentos diz que o feto tem direitos próprios. Assim como “alguém pode considerar errado retirar o suporte vital de um paciente em estado vegetativo irreversível, ou ajudar um paciente terminal de câncer a pôr fim a própria vida” (DWORKIN, 2009, p. 14), também é errado destruir um feto. Já o segundo argumento afirma que a vida humana é sagrada.

DWORKIN, R. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.








[1] Conforme Dworkin, “em 1991, um médico nova-iorquino revelou que havia receitado pílulas letais a uma paciente de leucemia, dizendo-lhe quantas deveriam tomar para morrer. A paciente havia seguido suas instruções, e coube a um grande júri decidir se o médico devia ser processado por assistência ao suicídio, um crime que pode ser punido com a pena de prisão. O grande júri decidiu que não. Em 1992, na Inglaterra, um médico injetou cloreto de potássio em uma paciente de artrite reumatoide que agonizava em meio a dores horríveis e implorava que a matassem; o médico registrou a injeção no histórico médico da paciente e foi processado e condenado por tentativa de homicídio” (2009, p. 01-2).
ÉTICA E POLÍTICA A PARTIR DO UTILITARISMO

            Nomes como Richard M. Hare, Richard B. Brandt e Peter Singer destacam-se no debate contemporâneo sobre a ética e a política e são pensadores utilitaristas. O criador é Jeremy Bentham, mas o representante mais ilustre é John Stuart Mill.

Já houve quem acreditasse que se Deus não existisse, tudo seria permitido, ou que, na ausência de um Ser Supremo, a ética ficaria destituída de seu alicerce, fragmentando-se em um conjunto desconexo de mandamentos, sem um eixo aglutinador, tampouco uma autoridade que os legitimasse (CARVALHO in OLIVEIRA, AGUIAR & SAHD, 2003, p. 192).

O utilitarismo discorda disso. Ao destacar que o bem-estar e a felicidade são a finalidade que deve-se buscar, o utilitarismo não exclui os animais não-humanos, pois eles também buscam o prazer e se afastam da dor (hedonismo). Para saber, “se uma ação ou uma instituição é moralmente defensável é preciso averiguar se ela faz alguma diferença em termos de promoção do bem-estar ou de prevenção/diminuição do sofrimento” (CARVALHO in OLIVEIRA, AGUIAR & SAHD, 2003, p. 192).
Por isso, o utilitarismo não condenada atos que não causam danos a ninguém (delitos sem vítimas, como o homossexualismo, por exemplo). “Para o consequencialismo é proibido proibir o que quer que seja, sem que se aposte quem foi lesado ou teve seus direitos violados” (CARVALHO in OLIVEIRA, AGUIAR & SAHD, 2003, p. 193). Neste sentido, mesmo as ações consideradas perniciosas pode ser admissível se for para gerar um resultado melhor. Isso difere totalmente das éticas deontológicas, que instituem deveres e obrigações.
A concepção clássica de Bentham e Stuart Mill entendem o bem-estar como sendo um estado de espírito. Esta concepção foi duramente criticada pelos pensadores contemporâneos, como Nozick. Segundo Nozick,

se o bem-estar pudesse ser explicitado em termos de estados mentais positivos, qualquer pessoa estaria certamente disposta a recorrer a meios artificiais, como por exemplo, permitir-se plugar a algum aparelho, que tivesse o poder de injetar-lhe alguma droga alucinógena capaz de fazer-lhe sentir tão-somente estados de consciência maximamente prazerosos e permitir-lhe viver diuturnamente em estados de completa euforia (CARVALHO in OLIVEIRA, AGUIAR & SAHD, 2003, p. 197).

            Embora a felicidade seja almejada por todos, poucos aceitariam passar pela experiência que Nozick, pois se trocaria a vida real pela ficção.

Ademais, são muitas as pessoas que declararam que, no caso de contraírem uma grave enfermidade ou sofrerem algum acidente e não haver esperança de recuperação, não querem ser mantidas vivas artificialmente, atadas a algum sistema que lhes garanta uma vida quase que só vegetativa, ainda que sem sofrer dor, mas tendo alguma sensação de prazer. A objeção de Nozick foi por muitos considerada letal para uma concepção que pretende interpretar o bem-estar como função de estados mentais positivos (CARVALHO in OLIVEIRA, AGUIAR & SAHD, 2003, p. 196).


OLIVEIRA, M; AGUIAR, O. A.; SAHD, L. F. N. de A. Filosofia Política Contemporânea. Petrópolis, Vozes, 2003.