sexta-feira, 9 de setembro de 2016

EPISTEMOLOGIA JURÍDICA

            As teorias da Epistemologia Jurídica acerca do objeto do direito podem ser divididas em: Epistemologia Jurídica Idealista e Epistemologia Jurídica Sociológica. Enquanto a primeira tem força dogmática, a segunda tem força zetética. Epistêmê, do grego, significa conhecimento. Os estudos contemporâneos da Epistemologia Jurídica giram em torno da dogmática jurídica, do direito enquanto ciência formal e da sociologia jurídica, do direito enquanto situações sociais reais fácticas (denominadas de leituras zetéticas do fenômeno jurídico, por Tércio Sampaio Ferraz Junior).
 O foco da Epistemologia Jurídica não é debate em torno das Teorias da Justiça, mas a investigação do objeto e método da ciência do direito e a análise da relação entre fatos sociais e normas jurídicas. O conceito de norma jurídica é central para o estudo da Epistemologia Jurídica, pois a norma é o objeto da ciência do direito. Não é mais relevante o seu estudo valorativa, mas a relação entre normas e fatos sociais novos ou tradicionais. O direito normativo é o posto na lei, o positivado, e não uma expectativa de realização dos ideais de justiça. “Não há com afirmar que o Direito escrito é injusto, assim como não se pode afirmar que todo o Direito pressuposto seria um Direito justo, mesmo porque a norma escrita pode ser expressiva do conceito vigente de justiça e, ao contrário, o Direito não escrito possa manifestar-se como Direito injusto, simplesmente porque estas qualificações dependerão do approach do observador (sujeito cognoscente) ou da autoridade que decide (funcionário obrigado ou Juiz).”[1]
             A ordem jurídica representa a expressão de princípios ideais e imutáveis. Os idealistas podem dividir-se em: jusnaturalistas, positivistas e normativistas. “[...] a ordem jurídica, enquanto Direito escrito, inspira os padrões de conduta social, e delimita as ações juridicamente proibidas, ou permitidas.”[2] “A ordem jurídica só deve mudar quando ela se afastar dos padrões ideais racionais e universais de Justiça. São os homens, na aplicação da ordem jurídica, ou na sua execução e realização, levam-na a se afastar dos valores universais e predeterminados pela Justiça.”[3]
A ordem jurídica representa a expressão da realidade social concreta mutável. Os sociologistas podem dividir-se em: historicistas, marxistas, empiricistas e experimentalistas. “[...] a ordem jurídica, enquanto Direito, é construída a partir de forças socialmente determinantes e a delimitação do proibido ou do permitido juridicamente é circunstancial e depende exclusivamente da correlação de forças sociais, da tradição, do costume e da experiência, quando não dos valores emergentes.”[4] “[...] a sociedade, no seu contínuo movimento de mudança, provoca alternadamente variações nas correlações de forças sociais (fatores reais de poder) ou nos processos de sedimentação de costumes e tradições, o que exigiria constantes e necessárias modificações na ordem jurídica para evitar a sua defasagem, as clivagens de interesse conflitivos e o seu consequente atropelamento pelos fatos.”[5]





[1] BASTOS, Aurélio Wander Chaves. Epistemologia Jurídica. In: TRAVESSONI, Alexandre. (Org.). Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. São Paulo: LTr, 2011, p. 143.
[2] BASTOS, Aurélio Wander Chaves. Epistemologia Jurídica. In: TRAVESSONI, Alexandre. (Org.). Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. São Paulo: LTr, 2011, p. 145.
[3] BASTOS, Aurélio Wander Chaves. Epistemologia Jurídica. In: TRAVESSONI, Alexandre. (Org.). Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. São Paulo: LTr, 2011, p. 145-146.
[4] BASTOS, Aurélio Wander Chaves. Epistemologia Jurídica. In: TRAVESSONI, Alexandre. (Org.). Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. São Paulo: LTr, 2011, p. 145.
[5] BASTOS, Aurélio Wander Chaves. Epistemologia Jurídica. In: TRAVESSONI, Alexandre. (Org.). Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. São Paulo: LTr, 2011, p. 146.
FATO, NORMA E VALOR EM REALE

          Segundo Miguel Reale, o fenômeno jurídico se manifesta por meio do fato, do valor e da norma. Segundo a teoria da tridimensionalidade, Reale quer superar  reducionismo jurídico, que defende que o direito é somente norma ou fato ou valor. Com o culturalismo jurídico, o direito passou a ser visto como resultado de processualidade histórica da cultura.  Isso possibilita ter uma visão integral e não parcial do direito. “O Tridimensionalismo surge [...] como uma das principais contribuições do culturalismo, pois consiste, em termos generalíssimos, em ‘encarar o fenômeno jurídico em seu tríplice aspecto: histórico-social, axiológico e normativo’, por meio do que o direito passa a ser pensado como a ‘realização histórica de um valor bilateral, através de uma norma de conduta.”[1] “[...] a articulação combinada destas variáveis sé é juridicamente possível a partir da ação interveniente dos poderes, na linguagem de Montesquieu, em todos os seus níveis de manifestação organizada, muito especialmente enquanto Poder Judiciário. Não havendo a ação dos poderes, não há como aplicar a norma à ocorrência social, assim como a ocorrência social não tem qualquer significado jurídico sem a norma na sua dimensão valorativa perceptível pelo poder.”[2]
O tridimensionalismo de Reale é tratado inicialmente de tridimensionalismo abstrato ou genérico, pois pensa o fato, o valor e a norma como “elementos” e não como “momentos dialéticos”. O direito pode ser pensado como fato quando estudado pela sociologia; como norma, quando estudado dogmaticamente por meio de uma normatividade abstrata; e estudado como valor, quando estudado pela filosofia, pela axiologia. Destarte, a pesquisa jurídica é realizado, concomitantemente, pelo filósofo, sociólogo e jurista. O filósofo estuda os valores jurídicos em si; o sociólogo, o direito enquanto fatos sociais; e o jurista, o direito enquanto normas. Assim, o direito é fático, normativo e axiológico.
O tridimensionalismo dialético, conceituado também como concreto ou específico, “alça a questão ao plano do reconhecimento de que qualquer compreensão da juridicidade não pode desconsiderar a integração dialética dos três momentos componentes do Direito. Seja com enfoque jurídico-filosófico, seja com enfoque jurídico-dogmático, seja com enfoque jurídico-sociológico”.[3] Portanto, o pesquisador jamais poderá isolar um dos elementos do direito e estudá-lo separadamente. Caso o faça, o conhecimento poderá deixar de ser jurídico.
O tridimensionalismo dialético, nas palavras de Reale, entende o direito como “a concretização da ideia de justiça na pluridiversidade de seu dever ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores”.[4] O tridimensionalismo dialético supera o tridimensionalismo genérico ou específico, por ser concreto e dinâmico. Enquanto que o abstrato isola os componentes do direito, sendo que o jusfilósofo estuda o valor, o sociólogo o fato e o jurista a norma, no dialético, fato, norma e valor são estudados conjuntamente e sempre relacionados. Mantém-se a ideia que “a jurisprudência é uma ciência normativa, devendo-se, porém, entender por norma jurídica bem mais que uma simples proposição lógica de natureza ideal: é antes uma realidade cultural e não mero instrumento técnico de medida, pois nela se realizam conflitos de interesses e se integram renovadas tensões fático-axiológicas”.[5]




[1] COELHO, Luiz Fernando. Teoria da Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 60-61.
[2] BASTOS, Aurélio Wander Chaves. Epistemologia Jurídica. In: TRAVESSONI, Alexandre. (Org.). Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. São Paulo: LTr, 2011, p. 145.
[3] COELHO, Saulo de Oliveira Pinto. Tridimensionalismo Jurídico. In: TRAVESSONI, Alexandre. (Org.). Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. São Paulo: LTr, 2011, p. 418.
[4] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
[5] REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
SER E DEVER SER

Ser (sein) e dever ser (sollen) são conceitos centrais para a Filosofia do Direito. Enquanto o primeiro designa aquilo que é, que acontece efetivamente, o segundo, designa a necessidade de que algo aconteça.
Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, ensina que as normas jurídicas são normas puras, vazias do conteúdo axiológico e que o direito é apenas normativo. O conceito de justiça e injustiça não faz parte do debate jurídico.
“Não há como desconhecer que o Juiz decide conforme as disposições normativas na sua dimensão material e formal, o que não necessariamente poderá estar conforme os padrões de justiça expectados socialmente, o que, aos olhos da própria ordem jurídica, seria o Direito escrito, que, pelo menos em tese, é a base referencial da decisão justa.”[1]
A epistemologia jurídica distingue o conceito de direito do conceito de ciência do direito e o conceito de justiça do conceito de direito.
“O conceito de Direito pode ser a expressão escrita de um determinado conceito de Justiça, literalmente transcrito em Lei, ou, em outras ocasiões, não traduzir exatamente o conceito de Justiça post em Lei, mas uma figuração fáctica ou valorativa pressuposta, apoiada em sistemas axiológicos que podem divergir, se não absolutamente, parcialmente, do sistema axiológico instituído.”[2]
O direito e a norma são os objetos de estudo da ciência do direito. Para a Sociologia Jurídica, o objeto não é a norma pura (Hans Kelsen), mas o fato social (León Duguit).




[1] BASTOS, Aurélio Wander Chaves. Epistemologia Jurídica. In: TRAVESSONI, Alexandre. (Org.). Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. São Paulo: LTr, 2011, p. 143.
[2] BASTOS, Aurélio Wander Chaves. Epistemologia Jurídica. In: TRAVESSONI, Alexandre. (Org.). Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. São Paulo: LTr, 2011, p. 143.
DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO EM BOBBIO: PERÍODO ANTIGO E MEDIEVAL

A distinção entre direito natural e direito positivo já se encontra em Platão e Aristóteles. Na obra Timeu, de Platão, é que a expressão positivus, referindo-se ao direito, aparece pela primeira vez. Do direito romano, a distinção também está presente. “O jus gentium e o jus civile correspondem à nossa distinção entre direito natural e direito positivo, visto que o primeiro se refere à natureza (naturalis ratio) e o segundo às instituições do populus. Das distinções ora apresentadas temos que são dois os critérios para distinguir o direito positivo (jus civile) do direito natural (jus gentium): a) o primeiro limita-se a um determinado povo, ao passo que o segundo não tem  limites; b) o primeiro é posto pelo povo (isto é, por uma entidade social criada pelos homens), enquanto o segundo é posto pela naturalis ratio.”[1]
O direito natural permanece imutável no tempo. Já o direito positivo é mutável, sendo que a norma positiva pode ser anulada ou mudada, seja por costumes ou por efeito de outra norma. Paulo, no Digesto, apresenta as seguintes distinções entre direito natural e civil: “a) o direito natural é universal e imutável (semper) enquanto o civil é particular (no espaço e no tempo); b) o direito natural estabelece aquilo que é bom (bonum et aequum), enquanto o civil estabelece aquilo que é útil: o juízo correspondente ao primeiro funda-se num critério moral, ao passo que o relativo a segundo baseia-se num critério econômico ou utilitário”.[2]
Já no período medieval, foi Abelardo, no séc. XI, que tratou da distinção de direito natural e direito positivo. Segundo Abelardo, o direito positivo é posto pelo homem e o direito natural é posto por alguém que está além desses, como Deus. Além de Abelardo, diversos outros pensadores medievais também trataram deste assunto. São Tomás de Aquino tratou de quatro leis, a saber, a lex aeterna, a lex naturalis, a lex humana e a lex divina. A distinção entre direito natural e positivo é realizada por meio da distinção da lex naturalis e da lex humana“A lex humana deriva da natural por obra do legislador que a põe e a faz valer, mas tal derivação pode ocorrer segundo dois diferentes modos, ou seja, per conclusionem ou per determinationem. a) tem-se derivação per conclusionem quando a lei positiva deriva daquela natural segundo um processo lógico necessário (como se fosse a conclusão de um silogismo): por exemplo, a norma positiva impeditiva do falso testemunho deduz-se da lei natural segundo a qual é preciso dizer a verdade; b) tem-se a derivação  per determinationem quando a lei natural é muito geral (e genérica), correspondendo ao direito positivo determinar o modo concreto segundo o qual essa lei deve ser aplicada: por exemplo, a lei natural estabelece que os delitos devem ser punidos, mas a determinação da medida e do modo da punição é feita pela lei humana. É essencialmente em relação a esta segunda categoria que Santo Tomás afirma ter a lei humana vigor apenas por força do legislador que a põe (“vigorem legis ex sola lege humana”).”[3]




[1] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. Trad. de Márcio Pugliese, Edson Bibi, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 18.
[2] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. Trad. de Márcio Pugliese, Edson Bibi, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 19.
[3] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. Trad. de Márcio Pugliese, Edson Bibi, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 20.