domingo, 4 de janeiro de 2015

SOBRE A PENA DE MORTE

            O debate sobre a pena de morte é recente. Até o Iluminismo, não se questionava acerca dela, pois se considerava que ela era necessária. Desde Platão, a pena tem a finalidade de tornar o criminoso melhor (via da cura) e se o delinquente for incurável, a morte é um mal menor. Bobbio diz:

Platão diz em certo momento que eles devem “necessariamente pagar a pena natural”, ou seja, “padecer o que fizeram” [...]. Chamo a atenção para o adjetivo “natural” e para o princípio do “padecer” o que se fez. Esse princípio, que nasce da doutrina da reciprocidade – que é dos pitagóricos (mais antiga ainda, portanto, que a de Platão) e que será formulada pelos juristas medievais e repetida durante séculos com a famosa expressão segundo a qual o malum passionais deve corresponder ao malum actionis – atravessa toda a história do direito penal e chega até nós absolutamente inalterado (1992, p. 162).

            Portanto, além de legítima, a pena de morte era considerada natural.  Somente no Iluminismo (XVIII) é que ocorrem os primeiros debates contra a pena de morte. Beccaria é o primeiro autor a criticar essa pena. A crueldade das penas não é o melhor freio dos delitos, mas a sua infalibilidade; a intensidade da pena (pena de morte) não intimida tanto quanto a sua duração (prisão perpétua). Enquanto a pena de morte é muito intensa, a prisão perpétua é muito extensa. As penas não devem ser cruéis, mas certas. Essa forma de pensamento de Beccaria é utilitarista e contratualista.
           
O debate sobre a pena de morte não visou somente à sua abolição: num primeiro momento, dirigiu-se para a limitação dessa pena a alguns crimes graves, especificamente determinados; depois, para a eliminação dos suplícios (ou crueldades inúteis) que, via de regra, a acompanhavam; e, num terceiro momento, para a supressão de sua execução pública (BOBBIO, 1992, p. 167).

Segundo Bobbio, “o suplício é [...] a multiplicação da pena de morte: o suplício mata uma pessoa várias vezes” (1992, p. 168). A execução sempre era pública. Hoje, os Estados que ainda praticam a pena de morte, “a executam com a discrição e a reserva com que se executa um doloroso dever” (BOBBIO, 1992, p. 168).

Muito Estados não abolicionistas buscaram não apenas eliminar os suplícios, mas tornar a pena de morte o mais possível indolor (ou menos cruel) naturalmente, isso não quer dizer que o conseguiram: basta ler relatórios sobre as três formas de execução mais comuns - a guilhotina francesa, o enforcamento inglês e a cadeira elétrica norte-americana - para compreender que não é inteiramente verdade que tenha sido eliminado também o suplício, já que a morte nem sempre é tão instantânea como se deixa crer, ou se busca fazer crer, por parte dos que defendem a pena capital. De qualquer modo, a execução não se realiza mais à vista do público, ainda que o eco de uma execução capital da imprensa – e não se deve esquecer que, num regime de liberdade de imprensa, tem amplo espaço e difusão a imprensa sensacionalista – substitua a antiga presença do público na praça, diante do patíbulo (BOBBIO, 1992, p. 168).

As concepções mais comuns acerca da pena são duas: a retributiva e a preventiva. A via retributiva defende que por meio da pena retribui-se o mal causado e se o mal causado for a morte, então a pena de morte é justificada. Para a concepção preventiva, por outro lado, a função da pena não é retribuir o mal, mas desencorajar o mesmo e, portanto, a pena de morte somente é justificada se ela tiver força de intimidação maior que qualquer outra pena. Além dessas duas concepções, que são as mais comuns, há outras vias para a pena. Ei-las: a pena como expiação, como emenda e como defesa social.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.


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