sábado, 20 de julho de 2013

ALICERCES DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE EM RAWLS

A partir do contratualismo, Rawls elabora a sua concepção da justiça como equidade tendo como alicerce três ideias: i) a sociedade como um sistema justo de cooperação social; ii) uma sociedade bem ordenada regulada por uma concepção de justiça; iii) a estrutura básica da sociedade visando a cooperação social. Primeiro: “A sociedade como um sistema justo de cooperação social consiste em uma das ideias familiares fundamentais, que dá estrutura e organiza a justiça como equidade. A cooperação social guia-se por regras e procedimentos publicamente reconhecidos e aceitos, por aqueles que cooperam, como sendo apropriados para regular a sua conduta. Diz-se que a cooperação é justa porque seus termos são tais que todos os participantes podem razoavelmente aceitar, desde que todos os demais também os aceitem. Contudo, a cooperação também envolve as vantagens ou bens visados individualmente por aqueles que se encontram nela engajados. Há aqui, portanto, a presunção de reciprocidade e mutualidade. Estes especificam os direitos básicos e os deveres que são determinados pelas instituições sociais e políticas, bem como regulam a divisão de benefícios que resultam da cooperação social e impõem os ônus necessários para mantê-los.” (JÚNIOR; POGREBINSCHI, 2010, p. 12). Segundo: “Uma sociedade bem ordenada é aquela regulada por uma concepção de justiça, a despeito de qual seja essa concepção (desde que a mesma seja pública ou política). A sociedade é bem ordenada porque nela todos aceitam (e sabem que os demais também aceitam) a mesma concepção de justiça, isto é, os mesmos princípios de justiça. Em outras palavras, quando a estrutura básica da sociedade satisfaz os princípios de justiça, pode-se dizer que a mesma é bem ordenada. Os cidadãos que vivem em uma sociedade bem ordenada têm um senso de justiça que lhes possibilita compreender a aplicar os princípios de justiça, além de agir em conformidade com eles.” (JÚNIOR; POGREBINSCHI, 2010, p. 13). Terceiro: “A ideia de estrutura básica da sociedade consiste no modo pelo qual as principais instituições políticas e sociais (por exemplo, constituições, judiciário, mercado, direito de propriedade etc.) se encaixem em um sistema de cooperação social. Além disso, trata-se a estrutura básica do modo pelo qual essas instituições conferem direitos e deveres básicos aos indivíduos, além de regular as vantagens que decorrem da cooperação social. A estrutura básica funciona, assim, como um pano de fundo no qual as atividades dos indivíduos e das associações se realizam. É importante frisar que a justiça como equidade se aplica às instituições da estrutura básica, e não aos indivíduos. Estes são afetados apenas indiretamente. Os princípios de justiça também não regulam internamente as instituições da sociedade que não compõem a estrutura básica (por exemplo, empresas, sindicatos, igrejas, escolas, família etc.). Assim como acontece com os indivíduos, os efeitos da concepção de justiça nessas instituições são indiretos. Pode-se dizer, portanto, que o sujeito da concepção de justiça rawlsiana é a estrutura básica da sociedade, e não os indivíduos.” (JÚNIOR; POGREBINSCHI, 2010, p. 12).


FERES JÚNIOR, J.; POGREBINSCHI, T. Teoria Política Contemporânea: uma introdução. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

JUSTIÇA PROCEDIMENTAL EM RAWLS

Há três formas de justiça procedimental: i) justiça procedimental perfeita: conta com um critério independente para saber qual resultado é justo e como alcançar este resultado. Por exemplo, um grupo de pessoas, ao dividir um bolo, decide que aquele que irá dividi-lo será o último a pegar o seu pedaço. Somente dividindo o bolo em partes iguais, ele conseguirá pegar a maior parte possível para si. Porém, o próprio Rawls considera que este caso de justiça procedimental pura é raro ou nulo; ii) justiça procedimental imperfeita: conta com um critério independente para produzir o resultado correto, porém não tem um processo que o leve a ele. Por exemplo, em um julgamento em processo criminal, mesmo obedecendo a lei e conduzindo bem os procedimentos do processo, pode-se chegar a resultados errados, condenando um inocente ou libertando um culpado; iii) justiça procedimental pura: não há um critério independente para o resultado correto, mas um procedimento correto ou justo. Assim, desde que o procedimento seja aplicado corretamente, o resultado será correto ou justo, qualquer que seja ele. Por exemplo, em um jogo em que os participantes apostam, o resultado da divisão é justa, independente de qual for a distribuição, pois os jogadores concordaram com o procedimento do jogo. “É justamente essa ideia de justiça procedimental pura que Rawls incorpora à sua teoria. A posição original é desenhada de forma a corresponder especificamente a esse caso de justiça procedimental. Ao assegurar um ponto de partida marcado pela igualdade e garantir a exclusão de qualquer contingência que diferencie as partes responsáveis pela escolha, a posição original confere a certeza de um procedimento justo. Na verdade, a posição original é ela mesma um procedimento. Por meio dele, ou da justiça a ele inerente, o resultado da escolha das partes será sempre justo. Assim, o procedimento da posição original garante, por si só, a justiça dos princípios a serem escolhidos pelas partes”. (JÚNIOR; POGREBINSCHI, 2010, p. 18).


FERES JÚNIOR, J.; POGREBINSCHI, T. Teoria Política Contemporânea: uma introdução. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA EM RAWLS

Os princípios escolhidos a partir do véu de ignorância, a saber, os princípios da liberdade e o da igualdade são a base para a justiça como equidade. A primeira explanação dos princípios na obra de Rawls é assim: “Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para as outras pessoas. Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefício de todos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos”. (TJ, p. 73). Para Rawls, o primeiro princípio (da liberdade) é superior ao segundo (da igualdade de oportunidades). O bem estar da maioria não pode ser justificativa para a perda da liberdade. Há injustiças quando não há um respeito por esses princípios. Percebe-se a influência kantiana em Rawls a partir da análise dos princípios. Conforme Oliveira, “os dois princípios fundamentais (o Equal Liberty Principle e o Difference/Equality Principle) a serem escolhidos para a realização da justiça como equidade, assim como os dispositivos da original position e do reflective equilibrium, se inserem neste contexto preciso de fundamentação – de inspiração kantiana -, na medida em que devem ser tomados como regras formais-procedurais capazes de estabelecer critérios normativos e de determinar resultados equitativos”. (1999, p. 169). O Princípio da Diferença é o segundo princípios e esse regulariza as desigualdades para que os menos afortunados sejam beneficiados desde que não ocorra um prejuízo aos demais. O segundo princípio recebe uma segunda reformulação. “As desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) propiciem o Maximo benefício esperado para os menos favorecidos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades”. (TJ, p. 100). “O Princípio do Maximin defende que as garantias mínimas devem ser preservadas antes dos ganhos máximos. Devem-se respeitar os direitos de todos, mesmo sendo o mínimo necessário. Os ganhos máximos, na maioria das vezes, não são acessíveis a todos. “Numa palavra, não convém pedir vantagens máximas; é mais prudente maximizar o rendimento mínimo e garantido (maximin)”. (PEGORARO, 2006, p. 129). Esse princípio visa garantir a maior participação de todos em relação aos benefícios econômicos e sociais.

OLIVEIRA, N. F. de. Tractatus ethico-politicus: genealogia do ethos moderno. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.

PEGORARO, Olinto. Ética dos maiores mestres através da história. 3. Ed. Petrópolis: Vozes, 2006.

RAWLS, J. Uma Teoria da Justiça. Trad. de Jussara Simões. São Paulo: Editora Ática, 2000.

terça-feira, 16 de julho de 2013

O DIREITO DE DIZER NÃO E A DESOBEDIÊNCIA CIVIL 


O “direito de dizer não” e a desobediência civil são direitos dos cidadãos de se manifestarem contra o ordenamento jurídico caracterizado como injusto. Conforme Rawls, desobediência civil significa o modo como o cidadão possa exprimir o seu descontentamento frente às leis injustas criadas por um Estado baseado em preceitos justos. Apesar de parecer um direito contra o próprio direito, a desobediência civil é um reforço para possíveis reformas na Legislação. Por meio dessa forma de resistência, M. Gandhi livrou a Índia da colonização da Grã-Bretanha e Martin Luther King levou os EUA à lei dos Direitos Civis. Ambos de forma pacífica e coletiva, conforme salienta N. Bobbio, ao dizer que a desobediência civil é possível somente de forma pacífica e por meio de uma ação coletiva. Uma defesa da desobediência civil como direito fundamental para o Estado Democrático de Direito é importante para poder relacionar o direito com outras esferas deixadas de lado pelo juspositivismo de Kelsen, tais como a moral. Para tratar deste assunto, parte-se da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O art. 5°, § 2°, diz: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados [...]”. Portanto, a desobediência civil é sim um direito fundamental. Este direito não está explícito na CF/88, mas a partir de uma compreensão é possível vislumbrá-lo. Ou seja, a desobediência civil não está expressa, mas isso não significa a exclusão da mesma, pois mesmo não estando expressa pode-se sim deduzi-la a partir dos princípios que a regra constitucional estabelece. As instâncias mediadoras das determinações ético-políticas ocorrem através da família, dos estamentos[1], das corporações, da opinião pública, do “direito de dizer não” e da desobediência civil. “Um ato público, não violento, contrário à lei, com o objetivo de mudá-la, que é o que Rawls chama de ‘desobediência civil’, é algo perfeitamente possível e necessário”. (WEBER, 2009, p. 163). 


[1] A função dos estamentos é fazer a mediação entre o governo e o povo. “Consideradas como órgãos de mediação, as assembléias de ordem situam-se entre o governo em geral e o povo disperso em círculos e indivíduos diferentes. Delas exige a sua própria finalidade tanto o sentido do Estado, e a dedicação a ele, como o sentido dos interesses dos círculos e dos indivíduos particulares. Simultaneamente significa tal situação uma comum mediação com o poder governamental organizado de modo a que o poder do príncipe não apareça como extremamente isolado nem, por conseguinte, como simples domínio ou arbitrariedade, e assim que não se isolem os interesses particulares das comunas, das corporações e dos indivíduos. Graças a essa mediação, os indivíduos não se apresentam perante o Estado como uma massa informe, uma opinião e uma vontade inorgânica, poderes maciços em face de um Estado orgânico.” (Rph, § 302). Um povo sem estamentos é um povo sem Estado. É mera massa, mera multidão. Conforme Weber, os estamentos têm como função impedir “o poder arbitrário do príncipe; exercer a mediação entre o governo e o povo; defender os interesses particulares junto aos interesses coletivos. Algumas dessas funções são hoje exercidas pelos sindicatos, pelas associações de bairro, etc.” (2009, p.160-1).

Obra consultada: Thadeu Weber. Ética e filosofia política: Hegel e o formalismo kantiano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.