domingo, 9 de outubro de 2016


MODOS DE PRODUÇÃO E CLASSES SOCIAIS EM MARX

A ideologia tem que ser examinada em função de relações sociais porque ela é histórica. Não é intemporal e absoluta, mas nasce com o objetivo de mascarar a realidade. Thompson nos apresenta três desenvolvimentos encontrados ao longo da obra de Marx sobre o termo ideologia, com convergências e divergências entre si, batizados por Thompson como (1) polêmica, (2) epifenomênica e (3) latente. Para Marx, ideologia é um conjunto de proposições elaborado, na sociedade burguesa, com a finalidade de fazer aparentar os interesses da classe dominante com o interesse coletivo, construindo uma hegemonia daquela classe. A manutenção da ordem social requer dessa maneira menor uso da violência. Assim, a ideologia torna-se um dos instrumentos da reprodução do status e da própria sociedade. O método precípuo da ideologia é a utilização do discurso lacunar (Althusser). Nesse, uma série de proposições, nunca falsas, sugere uma série de outras, que são. Desse modo, a essência do discurso lacunar é o não dito (porém sugerido). Por exemplo, 'Todos são iguais perante a lei' (verdade, numa sociedade burguesa) sugere que todos são iguais no sentido de terem oportunidades iguais (o que é falso, devido à propriedade privada dos meios de produção). Outro exemplo é a ideologia da meritocracia. Marx propõe, com o materialismo histórico, resolver o problema da relatividade do conhecimento histórico. O materialismo histórico é “uma atitude frente a realidade de seu objeto, visando captá-lo sem nenhuma adição de fora” (Engels). Marx, com o materialismo, torna a história uma ciência.
Modo de produção é a forma de organização associada a uma determinada etapa de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção. Reúne as características do trabalho preconizado, seja ele artesanal, manufaturado ou industrial. É a maneira como o homem age sobre a natureza material a fim de satisfazer as suas necessidades. São constituídos pelo objeto sobre o qual se trabalha e por todos os meios de trabalho necessários à produção (instrumentos ou ferramentas, máquinas, oficinas, fábricas, etc.). Exemplos de modos de produção são o escravismo, o feudalismo, o capitalismo, o socialismo e o comunismo. Os modos de produção são formados pelo conjunto das forças produtivas e pelo conjunto das relações de produção, na sua interação, num certo estágio de desenvolvimento e isso é o que leva à transformação social. Assim, o modo de produção determina o modo de vida dos indivíduos e neste aspecto se encontra a sua importância[1].
A classe burguesa surge no interior da classe feudal. Dialeticamente, ela representa a sua negação e a sua superação. A burguesia teve um papel revolucionário, pois “empurrou para fora do palco todas as classes herdadas na Idade Média”.  Quando as relações feudais da propriedade não corresponderam mais às forças produtivas que se haviam desenvolvido, elas se transformaram em cadeias que deviam ser e foram quebradas. Em seu lugar, apareceu a livre concorrência. Assim como que a burguesia é a contradição interna do feudalismo, o proletariado é a contradição interna da burguesia. A burguesia se desenvolve e cresce alimentando em si mesma o proletariado. Na mesma proporção que o capital se desenvolve, desenvolve-se também o proletariado. A noção de classe envolve sempre um processo relacional, pois a classe sempre é pensada na relação com o capital e o trabalho. A classe não pode ser entendida como rendimento ou a função do indivíduo na divisão do trabalho. Dialeticamente falando, tudo é relacional e a classe também o é.
Marx não possuía uma estrutura simplificada da estrutura de classes em seus trabalhos. Sendo dialético, Marx não partia da unilateralidade, mas de um esquema dicotômico. Só é possível entender a tese com o seu choque com a antítese. Este esquema dicotômico é totalmente verificável na sociedade capitalista. Em toda sociedade (pré-capitalista ou capitalista) sempre haverá uma classe dominante e uma classe dominada. As relações de produção entre os homens dependem de suas relações com os meios de produção. De acordo com essas relações (e tudo é relacional), podem ser de proprietário/não proprietário, capitalista/operário, patrão/empregado. Os homens são diferenciados em classes sociais. Aqueles que detêm a posse dos meios de produção apropriam-se do trabalho daqueles que não possuem esses meios, sendo que os últimos vendem a força de trabalho para conseguir sobreviver. A luta de classes, portanto, é o confronto dessas classes antagônicas.




[1] “O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. […] E do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não podemos tampouco julgar estas épocas de revolução pela sua consciência, mas, pelo contrário, é necessário explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. […] A grandes traços podemos designar como outras tantas épocas de progresso, na formação econômica da sociedade, o modo de produção asiático, o antigo, o feudal e o moderno burguês. As relações burguesas de produção são a última forma antagônica do processo social de produção, antagônica, não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que provém das condições sociais de vida dos indivíduos. As forças produtivas, porém, que se desenvolvem no selo da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para a solução desse antagonismo. Com esta formação social se encerra, portanto, a pré-história da sociedade humana.” (Karl Marx, Prefácio - Introdução à Contribuição para a Crítica da Economia Política).
MATERIALISMO E IDEOLOGIA EM MARX

O materialismo de Marx, assim como o voluntarismo de Nietzsche e o positivismo de Comte é uma reação ao idealismo alemão do séc. XVIII, especialmente em relação a filosofia hegeliana. Para o materialismo, as ideias não existem em si e não são independentes da experiência. O mundo material existe independentemente do sujeito cognoscente. O materialismo histórico indica que a infraestrutura determina a superestrutura das ideias. “O moinho movido a água vos dará a sociedade com o senhor feudal, e o moinho a vapor a sociedade com o capitalismo industrial”. Também, “Não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas é, ao contrário, seu ser social que determina sua consciência”. E, por fim, “as ideias dominantes de uma época sempre foram apenas as ideias de uma classe dominante”. Destarte, é o modo de produção material que condiciona o processo social, político e espiritual da vida. Já o materialismo dialético inverte a dialética hegeliana, pondo-a de pé. Hegel aplicava a dialética ao processo de pensamento. Marx ao mundo da história real e concreta. Toda realidade histórica gera contradições que levam a superações (tese x antítese: síntese). Por exemplo, a burguesia nasce de dentro da sociedade feudal e será a burguesia (na Revolução Francesa) que findará com a sociedade feudal. A dialética é a lei do desenvolvimento da sociedade histórica e por meio dela que se dará a passagem da sociedade capitalista para a comunista. Em suma, o materialismo de Marx é histórico (ciência da história) e dialético (compreende o movimento real da história). Segundo J. V. Stálin, o materialismo dialético é considerado como base filosófica e teórica do marxismo, e o materialismo histórico como base histórico-científica do marxismo.

A frase “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência” é uma crítica ao idealismo (de Hegel) e a base do materialismo histórico de Marx. A descoberta desta teoria, ou seja, do condicionamento da superestrutura pela estrutura econômica nos ensina que “com a mudança da base econômica, transforma-se mais ou menos rapidamente toda a gigantesca superestrutura”. Assim, os homens distinguem-se dos animais pela consciência ou pela religião, “mas eles começaram a se distinguir dos animais quando começaram a produzir seus meios de subsistência. E aquilo que os indivíduos são depende das condições materiais de sua produção”. A essência humana está na atividade produtiva. A primeira ação histórica do homem está na criação dos meios necessários para satisfazer suas necessidades vitais. Em suma, a consciência e as ideias derivam da história dos indivíduos reais, de sua ação para transformar a natureza. A moral, a metafísica, a religião (ou qualquer outra forma ideológica) não são autônomas e não tem história. Quando muda a base econômica, essas formas ideológicas também se alteram. 

sábado, 8 de outubro de 2016

DIREITO E JUSTIÇA EM HEGEL: VIA DA CURA E DA EXPIAÇÃO

Resumo

Há duas teorias na filosofia hegeliana que justificam a punição: a via da expiação e a via da cura. A via da expiação parte do agente da punição e afirma que a responsabilidade do crime é do criminoso. Essa via ocupa-se essencialmente com o dever e as regras. Hegel difere da posição retributivista kantiana, pois, segundo Kant, a pena é uma necessidade ética (imperativo categórico) e para Hegel, a pena é uma necessidade lógica (negação do crime e afirmação da pena). Kant permanece preso à subjetividade; Hegel supera-o através de uma explicação objetiva do direito penal. Já a via da cura parte do paciente da punição e defende que a punição é um direito do criminoso. Assim, o dever é secundário e o castigo é visto como gerador do sofrimento.

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PRINCIPIALISMO E DWORKIN: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EUTANÁSIA

Resumo
O presente trabalho objetivou realizar uma análise da figura da eutanásia e suas implicações éticas. Abordou-se aspectos da Bioética e do principialismo, teoria desenvolvida por Beauchamp e Childress. Também apresentou-se a posição do filósofo do direito Ronald Dworkin, favorável a eutanásia. A eutanásia é um assunto complexo e multidisciplinar, seu debate é muito atual devido as possibilidades médicas de manter uma pessoa viva por tempo indeterminado, independentemente de seu sofrimento. A busca por alternativas deve continuar, de modo a defender a autonomia dos pacientes em suas escolhas de fim de vida e a respeitar sua dignidade.

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JUSTIÇA, EQUIDADE E LIBERALISMO EM RAWLS

Resumo

A teoria da justiça proposta por John Rawls investiga a estrutura básica da sociedade, tendo como base a justiça política, a justiça pública e a justiça distributiva. Rawls propõe uma teoria que representa uma alternativa ao utilitarismo, pois para o autor os direitos não deverão estar sujeitos à negociações políticas ou sujeitos ao cálculo de interesses sociais. É através do contrato social que Rawls busca apresentar a relação entre justiça, equidade e liberalismo político.

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DISCURSOS SOBRE A PRIMEIRA DÉCADA DE TITO LÍVIO, DE MAQUIAVEL

Obra escrita em 1517, por Maquiavel, e publicada em 1531. O título da obra faz referência aos dez primeiros livros de “Desde a fundação da cidade” (Ab Urbe condita libri), do historiador romano Tito Lívio (59 a.C. – 17d.C.), que narra a história de Roma. Tito Lívio cresceu em meio às guerras civis que assolavam a Itália na época de Júlio César. Seu livro consiste em uma narrativa da história de Roma, dividida em 142 livros, dos quais 35 são conhecidos.

Alguns pontos centrais da obra:
1. Maquiavel se compara aos grandes navegadores, afirmando estar consciente dos riscos que estaria correndo ao percorrer novos caminhos na esfera do pensamento político.
2. Nicolau estimula o debate sobre o conceito de liberdade e virtude cívica. Segundo Maquiavel, há uma necessidade de confiar ao povo a preservação da liberdade para garantir a participação deste na vida pública. Para que o povo funcione como guardião de seu território, o julgamento de uma cidade, em última instância, deve ser do próprio povo.
3. É necessário ter sempre muitos juízes, pois poucos juízes tendem a julgar a favor da minoria. Não há cidade forte sem povo, mas também não há cidade livre sem participação da maioria na vida política da cidade.
4. Maquiavel, contudo, ressalva que a participação popular traz consequências. Levar o público a intenções e desejos que não são consensuais (como acontece na maior parte das vezes) pode resultar em conflitos políticos.
5. Uma das maiores contribuições de Maquiavel às formulações de teóricos posteriores foi a intensa participação do povo nos negócios da cidade. Nicolau se destacou por refletir a respeito dos possíveis choques que essa participação poderia causar, diferentemente dos humanistas cívicos que haviam elaborado suas teses até então.