quarta-feira, 22 de maio de 2013

UMA FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA E NÃO FORMAL DA CONSTITUIÇÃO

“A constituição política é [...] a organização do Estado e o processo da sua vida orgânica em relação consigo mesmo”. (Rph, § 271). A base ética que sustenta a constituição é o “espírito do povo”. Conforme Weber, “este é constituído por toda a história de um povo, suas origens, seus costumes e hábitos, sua cultura, seu éthos. A Constituição de um Estado, portanto, é o próprio ‘espírito do povo’”. (2009, p. 157). A constituição política de Hegel não é formal, nem normativa e nem valorativa. (cf. BOBBIO, 1991, p. 96). “Não formal” significa uma constituição política e não meramente escrita; “não normativa” significa o espírito do povo de um país e não a constituição com suas normas jurídicas no sentido de ser a lei suprema de um país. “Como categoria ético-política, a Constituição está estritamente ligada a um dos conceitos fundamentais de que em preciso partir para compreender a formação e a função da categoria de eticidade no sistema hegeliano: o conceito de espírito do povo”. (BOBBIO, 1991, p. 104-5). A pergunta “quem deve fazer a constituição?” não tem sentido no pensamento hegeliano. É uma pergunta atomista. “O conceito positivo que Hegel tem da Constituição está estritamente relacionado com a concepção orgânica do Estado, insistentemente contraposta à teoria atomista predominante, típica dos jusnaturalistas. (BOBBIO, 1991, p. 98). Para ele, a constituição, sendo fundamentada pelo “espírito do povo” faz parte da cultura de um país, de um povo, assim como o “espírito do povo”.

Como o espírito só é real no que tem consciência de ser; como o Estado, enquanto espírito de um povo, é uma lei que penetra toda a vida desse povo, os costumes e a consciência dos indivíduos, a Constituição de cada povo depende da natureza e cultura da consciência desse povo. É nesse povo que reside a liberdade subjetiva do Estado e, portanto, a realidade da Constituição. Querer dar a um povo a priori uma constituição a priori, até quando ela seja em seu conteúdo mais ou menos racional, é uma fantasia que não tem em conta o elemento que faz dela mais do que um ser de razão. Cada povo tem, por conseguinte, a constituição que lhe convém e se lhe adéqua. (Rph, § 274).

Destarte, a constituição não sofre grandes mudanças, mas apenas adaptações. Cada povo, com seu espírito, tem sua constituição. Assim, não é possível receber uma constituição pronta de fora, como no exemplo citado por Hegel dos espanhóis que recusaram a constituição oferecida por Napoleão a eles, por achá-la estranha a sua cultura. Cada povo tem o seu espírito, a sua cultura. Portanto, é possível criar um critério a priori, como o imperativo categórico? Em Hegel há uma unidade do ético com o político; em Kant não há isso. “Em Hegel, o Estado é o detentor da substancialidade ética. Em Kant, as normas jurídicas são insuficientes, para realizar as exigências do imperativo categórico. Agir de acordo com as leis do Estado é insuficiente para agir moralmente”. (WEBER, 2009, p. 158-9). Princípios morais universais, válidos aprioristicamente para todos não é possível. Portanto, a teoria kantiana cai em uma indeterminação abstrata. Enquanto Kant, o princípio é o imperativo categórico e esse é formal, havendo, portanto, um dualismo entre forma e conteúdo; em Hegel, o princípio é o “espírito do povo”, não havendo um dualismo entre forma e conteúdo, mas um monismo. Para Hegel, a organização constitucional do Estado ocorre por meio da articulação de interesses privados e interesses públicos. 


BOBBIO. N. Estudos sobre Hegel. Direito, Sociedade Civil, Estado. 2. ed. São Paulo: Brasiliense/UNESP, 1991.

 HEGEL. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 

WEBER. T. Ética e filosofia política: Hegel e o formalismo kantiano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.

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