quarta-feira, 22 de maio de 2013

LIBERDADE INDIVIDUAL E SUBSTANCIAL NO ESTADO EM HEGEL: UMA SUBSTANCIALIDADE ÉTICA

No Estado ocorre a efetivação completa da liberdade. “O Estado é a realidade em ato da Ideia moral objetiva” (Phd, § 257); é a própria liberdade realizada enquanto ideia. A família e a corporação, sem o Estado que as sustenta, não se justificam.

O Estado, como realidade em ato da vontade substancial, realidade que esta adquire na consciência particular de si universalizada, é o racional em si e para si: esta unidade substancial é um fim próprio absoluto, imóvel, nele a liberdade obtém o seu valor supremo, e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem membros do Estado têm o seu mais elevado dever. (Phd, § 258).

            O Estado é a condição de possibilidade da mediação da liberdade. Hegel, no Estado, faz uma fundamentação ética do político - da constituição através do conceito do ‘espírito do povo’. Para Bobbio, Hegel fez uma fundamentação não normativa da constituição.

A Ideia do Estado: a) Possui uma existência imediata e é o Estado individual como organismo que se refere a si mesmo – é a constituição do Direito político interno; b) Transita à relação do Estado isolado com os outros Estados – é o direito externo; c) É ideia universal como gênero e potência absoluta sobre os Estados individuais, o espírito que a si mesmo dá a sua realidade no progresso da história universal. (Phd, § 259).

            O Estado é a substancialidade ética enquanto organismo político, enquanto instância última da organização política. Porém, ele não é a última instância de julgamento, de decisão, de determinação das instituições sociais, pois há um tribunal da história. Como se dá a relação entre o substancial e o direito da liberdade individual? Como se dá a unidade na diversidade? “As vontades e os interesses particulares dos indivíduos são eliminados ou permanecem como superados e guardados no universal representado pelo Estado? Não há um gradual enfraquecimento das liberdades individuais [...] dos indivíduos?” (WEBER, 2009, p. 153). Segundo Hegel,

É o Estado a realidade em ato da liberdade concreta. Ora, a liberdade concreta consiste em a individualidade pessoal, com os seus particulares, de tal modo possuir o seu pleno desenvolvimento e o reconhecimento dos seus direitos para si (nos sistemas da família e da sociedade civil) que, em parte, se integram por si mesmos no interesse universal e, em parte, consciente e voluntariamente o reconhecem como seu particular espírito substancial e para ele agem como seu último fim (Phd, § 260).

Há, portanto, o reconhecimento do direito, por um lado, e por outro lado, o reconhecimento da vontade substancial.

Em face do direito privado e do interesse particular, da família e da sociedade civil, o Estado é, por um lado, necessidade exterior e poder mais alto; subordinam-se-lhe as leis e os interesses daqueles domínios mas, por outro lado, é para eles fim imanente, tendo a sua força na unidade do seu fim último universal e dos interesses particulares do indivíduo; esta unidade exprime-se em terem aqueles domínios deveres para com o Estado na medida em que também têm direitos (Phd, § 261).

            Destarte, verifica-se em Hegel o equilíbrio entre o substancial e o particular. O dever somente é um dever para o cidadão, se ao mesmo tempo ele for um direito. Há, assim, a conciliação entre os interesses particulares e os coletivos. No Estado, portanto, há a concretização dos interesses particulares na universalidade. “Quem considera um conjunto de indivíduos singulares, não ordenados em estamentos, jamais chegará, segundo Hegel, ao conceito de Estado”. (BOBBIO, 1991, p. 99). É por meio de estamentos e corporações que os cidadãos participam na esfera estatal. A busca é o equilíbrio entre o particular e o universal, entre os direitos e deveres. Isso só é possível na esfera estatal.

A conservação da universalidade, que permaneceu em meio ao movimento das mediações, constitui a substancialidade ética. A universalidade coerente, resultante das articulações da família, das corporações e dos estamentos, indica o dever-ser de um Estado, portanto, de um Estado ético. [...] O ético não se constitui de modo imediato pelas vontades dos indivíduos, nem se dá de forma a priori, mas é resultado de um processo de mediação que inclui negociação, argumentação, etc. (WEBER, 2009, p. 156).

O Estado, em Hegel, simboliza a efetivação da liberdade. Em relação ao direito abstrato, o Estado protege o direito das pessoas. Para Locke é o fundamento do Estado. Para Hegel é apenas uma das finalidades do Estado. Em relação a moralidade subjetiva, o Estado não interfere, pois isso não faz parte de suas atribuições. O Estado é similar a família. Não no aspecto do amor e do sentimento, pois no Estado o sentimento desaparece, e nem pela força, mas pelo sentimento de ordem. Conforme Hegel,

esse sentimento é sobretudo o de confiança (que pode vir a ser uma compreensão mais ou menos cultivada) e de certeza de que o meu interesse particular e o seu interesse substancial se conservam e persistem dentro do interesse e dos fins de um outro (no caso, o Estado) e, portanto, dentro da sua relação comigo como indivíduo. (Phd, § 268).

Isso simboliza o patriotismo. Na sociedade civil, verifica-se transações (comerciais) realizadas via contratos. Isso não existe no Estado. Hegel não aceita a teoria contratualista e defende a tese do Estado orgânico aristotélico. Destarte, o Estado não tem o objetivo de suprir as necessidades dos indivíduos em um estado de natureza, mas o de torná-los seres humanos completos. Assim como não se pode imaginar “o casamento dentro do conceito de contrato” (Phd, § 75), não se pode também imaginar o surgimento do Estado via um contratualismo, como pensou Hobbes, Locke e Rousseau. “A natureza do Estado não consiste em relações de contrato, quer de um contrato de todos com todos, quer de todos com o príncipe ou o governo”. (Phd, § 75).
O Estado racional é constituído por três elementos: o elemento individual, o elemento particular e o elemento universal. O elemento individual é o monarca (não absoluto, mas constitucional). O cargo é hereditário para evitar “o capricho e o elemento contratual envolvido em eleições”. (INWOOD, 1997, p. 124). “O monarca enquanto tal é essencialmente indivíduo que está fora de qualquer outro conteúdo, e este indivíduo destina-se a dignidade do monarca de um modo imediatamente natural, por nascimento”. (Phd, § 280). O elemento particular é o poder executivo. A função deste poder é executar as leis do monarca. Esta classe é composta por chefes do serviço civil, pelo judiciário, pela polícia, etc. O elemento universal é o legislativo. O povo, com exceção dos camponeses e dos trabalhadores, é representado no legislativo como “membro”. Os estados não são classes sociais ou economias, mas grupos profissionais, tais como: i) a nobreza rural e hereditária; ii) a classe mercantil; iii) a classe de servidores civis e suas corporações.
Em relação ao direito internacional, Hegel destaca que o Estado só é Estado se ele for reconhecido por outros Estados. “O direito entre estados assume a forma de tratados e de direito internacional [...] que se baseia mais no costume do que na autoridade central, e tem por objetivo mitigar a conduta da guerra e possibilitar a restauração da paz”. (INWOOD, 1997, p. 125). “O conceito hegeliano de ‘eticidade’ não reduz as determinações lógicas a um puro ser-aí histórico, mas procura elevar os acontecimentos históricos à sua determinação conceitual. Nem todos os objetos exprimem a ideia”. (ROSENFIELD, 1995, p. 229). Fora do Estado, segundo Hegel, não há possibilidade de uma comunidade humana viver livremente. É melhor o pior dos Estado do que a inexistência dele. Hobbes também concorda com esta ideia. Ele salienta que um poder absoluto é menos prejudicial do que a não existência de poder. Para Hegel, quando há a consciência de todos os cidadãos há a determinação da liberdade.


Referências e texto completo ver em: http://repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/6830

Nenhum comentário:

Postar um comentário