quarta-feira, 22 de maio de 2013

DIREITO DE EMERGÊNCIA EM HEGEL

Um caso específico na moralidade é o direito de emergência (ou estado de necessidade). Ele é introduzido por Hegel na parte final da moralidade. Nas palavras de Hegel,

A particularidade dos interesses da vontade natural, condensada na sua simples totalidade, é o ser pessoal como vida. Possui esta, no período supremo e no conflito com a propriedade jurídica de outrem, um direito que pode fazer valer (não como concessão graciosa mas como direito) na medida em que há,  de um lado, uma violação infinita do ser e portanto uma ausência total de direito e, de outro, apenas a violação limitada da liberdade. É assim que são ao mesmo tempo reconhecidos o direito como tal e a capacidade jurídica de quem é lesado na sua propriedade. É o direito daquela violação, do direito da miséria que provém o benefício da imunidade que o devedor recebe sobre a sua fortuna, isto é, sobre a propriedade do credor; não se lhe tiram os instrumentos de trabalho nem os meios de cultivo considerados necessários, tendo em conta a sua situação social, para a sua manutenção. (Rph, § 127).

Portanto, a vida tem um direito de emergência. “Se alguém, para conservar a sua vida, tiver que usufruir de um alimento de outro, isto é obviamente um dano, mas não pode ser considerado como um roubo qualquer. Quer dizer, é um roubo justificado”. (WEBER, 1993, p. 91).  Óbvio que há uma lesão a propriedade de um homem quando se rouba dele, mas seria injusto considerar essa ação como um roubo ordinário. O necessário, segundo Hegel, é viver agora e o futuro está entregue a contingência. Portanto, o direito de emergência é imediato. Ao tratar do direito de emergência há a discussão de Hegel com a filosofia kantiana sobre o problema das exceções acerca do imperativo categórico. O formalismo kantiano não aceita exceções. Pela forma da lei, não há exceções porque senão se admitiria vantagens pessoais, subjetivas e empíricas. As exceções ferem a validade apriorística do imperativo categórico e da lei moral. O formalismo kantiano, portanto, é reconhecido pela impossibilidade de admitir exceções. O conceito contradição em Kant significa justamente abrir exceções a seu favor. Já Hegel considera contradição apenas ações que se contrapõem a um conteúdo histórico determinado. Contradição meramente formal, segundo Hegel, não existe.
Destarte, o direito de emergência é considerado uma das críticas ao formalismo, pois direito de emergência é exatamente o direito de abrir uma exceção em caso de extremo perigo e de necessidade. Kant, na obra A Metafísica dos Costumes, faz uma fundamentação moral do direito, mas quando ele trata do direito de equidade e de necessidade acaba não resolvendo esse problema devido a não efetivação desses direitos. Para Hegel, o Estado não pode deixar de reconhecer o direito de emergência (de necessidade), pois esse direito não é uma concessão, mas um direito. Quando há por um lado o direito a vida e por outro lado o direito de propriedade, o direito de emergência se sobrepõe ao direito de propriedade. Assim, o direito a vida justifica qualquer lesão a outro direito que se opõe a ele. Percebe-se nessa discussão que há uma estrutura hierárquica entre direitos, pois é inevitável a geração de conflitos entre direitos. Hegel ressalta ainda que a vida tem um direito ante o direito abstrato. Dessa forma, a moralidade enfatiza um direito não reconhecido pelo direito abstrato. Isso denota a insuficiência do direito abstrato.
Hegel está preocupado com a discussão em torno do conceito de justiça e não com o conceito de legalidade. Kant tratou do conceito do direito estrito. Hegel, na moralidade, não trata do direito estrito. Kant, para resolver o direito de equidade e de necessidade, se reporta ao direito estrito e não ao direito amplo. Para Hegel, é justificada uma ação injusta no direito de emergência. Com isso, ele supera o formalismo kantiano.
Hegel afirma que “a miséria revela a finitude e, portanto, a contingência do direito assim como do bem-estar. Noutros termos: a existência de uma pessoa particular e o domínio da vontade particular sem a universalidade do direito não são necessários”. (Rph, § 128). Nesse sentido, Hegel avança em relação a Kant. Kant apela, em última instância, para o direito estrito ao discutir sobre o direito de necessidade e de equidade. Hegel, não aceitando a teoria kantiana, ressalta que o direito de emergência mostra a contingência e a insuficiência do direito estrito (positivo formal). A fundamentação moral se impõe para resolver uma insuficiência do direito estrito formal.
O direito no sentido estrito, segundo Kant, se caracteriza pela autorização para coagir. Já no direito no sentido lato, a autorização para coagir não pode ser determinada por uma lei. É no direito no sentido estrito que há o direito de equidade e de necessidade. E para Kant esses direitos são supostos direitos. Hegel trata esses dois direitos como certos e não como supostos. Para Kant, esses dois direitos são concessões; para Hegel, não são concessões, mas direitos.
Para Hegel, o direito de emergência não é culpável e nem punível; para Kant, ele é culpável, mas não punível. Kant, portanto, faz uma dicotomia entre culpa e pena. Hegel, porém, a resolve, introduzindo a categoria do justo e do injusto na moralidade. Kant também introduz essas categorias, mas não resolve o problema da necessidade e da equidade no ponto de vista do direito no sentido amplo. Para Hegel, quem dá o conteúdo para o direito de emergência é a necessidade. Destarte, não há um conteúdo prévio dado. Quem dá o conteúdo à lei ou a interpretação da lei é o conteúdo histórico determinado pelas circunstâncias. O conceito de justiça não está atrelado a legalidade ou ilegalidade. Assim, pode-se agir contra a lei e ser justo.
A moralidade mostra a insuficiência do direito abstrato. Não há mais uma dicotomia entre essas duas esferas. O conceito de direito como normativo tem como princípio fundamental a liberdade enquanto conquista da história. É esse o princípio que se efetiva no direito abstrato, na moralidade e na eticidade. A moralidade não pode contrariar o princípio pressuposto, a saber, o princípio da liberdade. Desta maneira, na moralidade não se deve prender na lei, mas no princípio que orienta toda a estrutura das instituições sociais. É em nome do princípio que se pode transgredir a lei e não em nome do direito abstrato. Recorre-se ao principio para não aplicar a lei. Para Kant, em relação ao direito de equidade e de necessidade, a questão não é a justiça, mas é o direito estrito. Hegel, nesse aspecto, mostra que Kant é insuficiente e ressalta que pode-se sim justificar uma ação contra a lei. No direito de moralidade precisa-se assegurar um direito fundamental: o direito de emergência. Esse direito pode ferir a formalidade jurídica e legalmente constituída. Senão, não se garante o princípio da liberdade e nem se verifica em que medida a moralidade avança em relação ao direito abstrato. O direito de emergência tratado na moralidade hegeliana é um avanço em relação a moralidade kantiana.


Referências e texto completo ver em: http://repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/6830

Nenhum comentário:

Postar um comentário