segunda-feira, 24 de setembro de 2012

RESENHA DA OBRA DISCURSO DO MÉTODO, DE DESCARTES

      Na obra Discurso do Método anunciam-se, claramente, os quatro delineamentos característicos da Filosofia Moderna: autonomia da filosofia em relação à teologia; orientação gnosiológica antes que metafísica; antropocentrismo; interesse pelo método. Descartes advertiu a necessidade de renovar o estudo e o ensino da filosofia através do método matemático. Assim, o pai da filosofia moderna propõe-se a elaborar uma ciência universal provida daquela rigorosidade, certeza e exatidão típicas da matemática. Tudo o que há devia ser traduzido em ideias claras e distintas, como se tudo se tratassem de quantidades matemáticas. Descartes aplica primeiramente o método matemático às ciências experimentais e, após, à filosofia.
      Descartes destaca que os métodos utilizados não eram bons. Por isso, os resultados obtidos eram pobres. Ele critica severamente o ensino da época, afirmando que a única vantagem que teve foi a de perceber a sua ignorância. Por esta razão, abandona o estudo das letras e põe-se a viajar. Resolveu não mais procurar outra ciência, além daquela que se poderia achar em si próprio, ou então no grande “livro do mundo”. Após estudar o “livro do mundo”, a fim de adquirir mais experiência, resolveu estudar a si mesmo.
O filósofo decide, então, buscar um novo método, baseado em quatro regras. Ei-las: 1) regra da evidência: só aceitar algo como verdadeiro desde que seja absolutamente evidente por sua clareza e distinção; 2) regra da análise: dividir cada uma das dificuldades surgidas em tantas partes quantas forem necessárias para resolvê-las melhor; 3) regra da síntese: ordenar o raciocínio, indo dos problemas mais simples para os mais complexos; 4) regra da enumeração: realizar verificações completas e gerais para ter absoluta segurança de que nenhum aspecto do problema foi omitido. Com este método, salienta o filósofo, todas as coisas podem ser conhecidas. Aplica-o primeiramente à matemática, pois era preciso partir das verdades mais simples e mais fáceis e, também, pelo fato de que entre todos os cientistas, somente os matemáticos haviam tentado encontrar demonstrações certas e evidentes. Descartes pressupõe agora a aplicar o método também às outras ciências.
      Não obstante, o filósofo deve buscar uma “moral provisória” (a moral definitiva encontra-se no livro As paixões da alma e é, em substância, idêntica à moral provisória) até a descoberta da verdadeira. De fato, não é possível conduzir-se nas ações do mesmo modo como se comporta com as opiniões. As opiniões podem ser suspensas, mas não se pode ser indeciso nas ações. Há três princípios da moral provisória. São eles: 1) obedecer as leis e os costumes do próprio país praticando a religião na qual se foi instruído desde a infância e regular-se, em todas as coisas, conforme as opiniões mais moderadas e sensatas; 2) ser firme e resoluto nas ações e opiniões a que se tivesse determinado; 3) sempre se esforçar por vencer a si mesmo antes que o destino o faça; mudar os próprios desejos antes que a ordem do mundo; e, geralmente, habituar-se a acreditar que não há nada que seja completamente nosso, exceto nossos pensamentos e, por isso, não é preciso preocupar-se demais com as coisas externas. Descartes pensa que a melhor coisa é empregar toda a vida a cultivar a razão e a progredir o mais possível no conhecimento da verdade, pois a vida intelectual é plena de satisfação e também, porque, progredindo no conhecimento se progride na virtude. Após todo este ensinamento, Descartes acredita que podia começar a desfazer o restante de suas opiniões. Esperando poder realizar isso conversando, põe-se a viajar. O método é guiado por duas normas: 1) não destruir por destruir – como os céticos -, mas para atingir a verdade; 2) não destruir tudo, mas conservar aquilo que pode servir para chegar a cognições certas.
      Pode-se dizer que os dois princípios fundamentais da metafísica cartesiana, ou seja, as certezas metafísicas, são o cogito e a existência de Deus. Segundo Descartes, para se conhecer a verdade, é preciso, de início, colocar todos os conhecimentos em dúvida (dúvida metódica), questionando tudo para criteriosamente analisar se existe algo na realidade de que se possa ter plena certeza. Fazendo uma aplicação metódica da dúvida, o filósofo foi considerando como incertas todas as percepções sensoriais (dado que os nossos sentidos algumas vezes nos enganam), todo o conhecimento racional (pois há homens que se enganam raciocinando) e, enfim, todo o conhecimento humano, pois todos os pensamentos que tomamos por despertos podem vir também quando dormimos. E prosseguiu assim, cada vez mais colocando em dúvida a existência de tudo aquilo que constitui a realidade e o próprio conteúdo dos pensamentos. Enquanto tratava de duvidar de tudo, Descartes percebe uma verdade: “enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa”. Observando que “penso, logo existo” era de tal modo firme e seguro, Descartes acolheu esta máxima como o princípio de sua filosofia. Assim, a essência do homem está no pensamento – o filósofo passa a considerar, pelo Cogito, a natureza do sum (a existência). Observa que podia fingir não ter nenhum corpo, mas nem por isso podia fingir que não existia e que, pelo contrário, pelo próprio fato que pensava em duvidar da verdade das outras coisas decorria de modo evidente e certo, que ele existia. Se apenas houvesse parado de pensar, ainda que tudo o mais que ele tinha imaginado fosse verdadeiro, não teria havido jamais nenhuma razão para crer que existia. Soube, por isso, que era uma substância cuja essência ou natureza não é senão para pensar e que, para ser, não precisa de nenhum lugar, não depende de nenhuma coisa material. Achado o princípio fundamental da metafísica e o supremo critério de verdade – clareza e distinção –, Descartes passa a demonstrar a existência e Deus. Prova-a através dos seguintes argumentos: 1) pelo fato de que temos a ideia do perfeito e não podemos ser nós a causa dessa ideia; 2) pelo fato de que eu não dou a mim mesmo a minha existência; 3) pela ideia do perfeito (é certo que Deus existe como são certas as demonstrações geométricas); 4) pelas consequências desastrosas que a negação da existência de Deus implica, ou seja, pelo fato de que neste caso qualquer certeza torna-se impossível. A terceira prova é a mais conhecida prova e é denominada de ontológica, pois parte do conceito de Deus para provar a sua existência. A primeira e a segunda são cosmológicas, isto é, partem dos fatos que nós experimentamos. Depois que o conhecimento de Deus e da alma restitui-lhe a certeza da regra clareza e distinção, Descartes afirma poder aceitar com indubitável certeza todas as outras ideias que se apresentam com o caráter de clareza e distinção, pois não é possível que Deus, que é sumamente perfeito e veraz, tenha colocado na mente para nos enganar.
      Após deduzir as verdades metafísicas (cogito, ergo sum e a existência de Deus), Descartes não deixa de deduzir também algumas verdades sobre o mundo, adotando sempre o critério de verdade da clareza e distinção e o método geométrico. De maneira sucinta, é pertinente relatar apenas alguns tópicos mais relevantes: 1) doutrina da natureza do corpo animal e humano – aqui o filósofo diz que, acerca do corpo, não há nenhuma diferença entre homens e animais. O que os distingue, não obstante, é a alma que os animais não a possuem e os homens a possuem (criada por Deus). Porém, a alma é invisível, assim, o homem diferencia-se dos animais através da linguagem e da liberdade; 2) natureza da alma – ela é espiritual e, como tal, não pode ser tirada da potência da matéria, como as outras coisas deste mundo, mas é criada diretamente por Deus.
      Concluindo, a obra Discurso do Método é o manifesto da nova filosofia. Desde as primeiras páginas do Discurso, Descartes sublinha a importância capital do método para a aquisição da ciência. Com o método construiu todo o seu edifício filosófico, embasado no cogito. Com isso, o filósofo abalou profundamente o edifício do conhecimento estabelecido. Sua tentativa, porém, de reconstruir esse edifício não foi uma obra tão notável e fecunda, se comparada com o efeito demolidor que provocou. 

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