sábado, 15 de setembro de 2012

AS TRÊS FACES DO TERROR

Era madrugada. O peso do dia já estava insuportável nos ombros de Clara. Suas pálpebras não conseguiam mais permanecer abertas. Acaba dormindo.
—  Que bom que a encontrei!  —  diz Ig tremendo.
—  O que houve Ig? O que aconteceu?
—  Nossa, que horror!  —  vê-se lágrimas em seus olhos.
—  Conte-me logo. Está me assustando.
—  Como é possível tanta crueldade?
—  Mas que crueldade?
            Neste momento, Ig olha em seu relógio e percebe que estavam muito atrasados. Propõe contar-lhe tudo, com detalhes, no acampamento. Clara acaba aceitando, pois gostava de ouvir histórias macabras – ainda mais, num lugar assustador como aquele que os esperava.
—  Então, vamos lá!  —  disse Ig.
—  A balsa cruza o rio até às dez horas, certo?
—  Sim, e já são nove.
            Antes de partirem, Ig guardou todos os apetrechos no porta-malas do carro. O susto ainda não havia passado. Clara, entretanto, tentava imaginar qual o fato que havia apavorado tanto o seu namorado. Embarcaram ligeiramente no carro, ligaram o som... e Clara lembra-se que não havia apanhado o violão. Voltou em sua casa, pegou-o e partiram.
Por sorte, chegaram nas margens do rio Gan no mesmo instante em que o velho da balsa estava arrumando as suas bugigangas para ir embora.
— Boa noite senhor. Podemos atravessar?  —  disse Ig.
No mesmo instante, ouviu-se o respirar profundo de insatisfação do velho, que respondeu:
—  Tudo bem.
            Na travessia, o velho ficou o tempo todo olhando a face angelical de Clara. Ela, contudo, esquivava o seu olhar. Aquele homem era possuidor de uma feiúra ímpar. Poucos conseguiam vencê-lo naquele quesito. Ao desembarcarem na outra margem, despediram-se rapidamente e seguiram viagem. Faltava pouco, mas agora não tinham mais pressa.
            O lugar que os esperava era digno de histórias de terror. Um casebre fazia companhia para um imenso lago que, com sua imensidão, acabava refletindo quase a totalidade das estrelas. Porém, este espetáculo não seria possível, pois o céu estava tomado de nuvens negras prontas para desabarem. Além do cenário assustador, as histórias contadas acerca do que ocorria naquele lugar não eram nada agradáveis.
            Clara estava muito curiosa sobre o que tinha acontecido para tanto assustar a Ig. Isso ele percebeu, vendo-a roer as unhas.
            Faltando poucos quilômetros para chegarem, acabaram tendo mais uma surpresa: o pneu havia furado. Desceram do carro e tiveram que trocá-lo. Estava muito escuro. Somente ouvia-se o barulho dos animais comuns naquela área. Porém, quando perceberam passos que se aproximavam deles, o medo tomou conta dos dois.
—  Ig, o que é isso?
—  Entre, entre logo  —  exclamou Ig totalmente apavorado.
—  Meu Deus, o que é isto?
            Passou por eles, indo na direção contrária, um andarilho. Desses que se enchem de roupas, que têm a barba e o cabelo longos. Esperaram longamente, trancados no carro e, depois, quando tiveram certeza de que o estranho se distanciara, Ig concluiu a troca do pneu, embarcou e prosseguiram.
            Logo chegaram ao topo do morro. Lá estava a lagoa, enorme e apavorante. Tiraram tudo o que havia no carro e guardaram tudo no velho casebre. Os dois estavam esfomeados, acabando por comer, ali mesmo, de pé, os sanduíches que a mãe de Clara havia feito. Após, saciados, deixaram-se relachar. Apanharam o uísque, o cigarro e o violão, sentando-se rente à lagoa. Clara intuía que uma história, no mínimo assustadora, seria desenrolada. Então, disse:
—  Agora, conte-me! Vamos!
—  Calma. Antes quero ouvir uns acordes.
—  Mas por que tanta enrolação?
—  Deixa de ser chata e faz um som. Depois lhe contarei.
            Clara tocou uma música que ela mesma havia composto há poucos dias. A música dizia que “a vida tem o seu preço e o seu valor, com muita dor”.
—  Bravo, bravo!
—  Tá bom, mentiroso. Sei que não está lá tão perfeita. Mas agora é sua vez. Quero saber o que ocorreu pra você ficar tão assustado.
            Ig, então, contou-lhe tudo, ou melhor, quase tudo.
—  De tardezinha, quando estava voltando do mercado, ouvi uns gritos que saíam da janela do vizinho. Não os conheço bem, pois faz um mês que eles chegaram de mudança. A princípio, pensei em não fazer nada, mas os gritos continuaram e eu, impaciente, fui ver o que estava acontecendo.
—  E daí? O que você viu?
—  Bati na porta da casa deles e, naquele momento, os gritos cessaram. Ninguém apareceu. Fiz a volta no jardim e espiei, entre as janelas da sala, para tentar enxergar alguma coisa. Cheguei a cair para trás ao ver aquilo. Você não imagina!
—  O que você viu?
—  Próximo à parede estava o corpo de uma mulher, toda ensangüentada. Olhei para o lado esquerdo e vi o próprio Lúcifer sobre mais um corpo, de homem.
—  O quê? O diabo?
—  Pior que isso. Deveria ser o filho daquele casal. E estava comendo a carne de seu próprio pai. Acredite, vi uma cena do mais puro canibalismo.
—  Que horror! E o quê você fez? Chamou a polícia? Fugiu de lá?
            Ig não respondeu mais nada para Clara. Ela continuou crivando-o de perguntas e ele manteve o seu olhar fixo para a lagoa. Ela não entendia por que ele não falava mais com ela. Ele, contudo, manteve-se totalmente estranho. Um silêncio lúgubre esparramou-se naquela noite totalmente escura. Depois de um tempo em que permaneceram em silêncio, Clara lembrou-se de algo que a assustou ainda mais.
—  Ig, não estou entendendo. Que vizinhos eram estes? Ontem mesmo, perguntei-lhe se alguém tinha se mudado para a casa ao lado da sua e você disse-me que não. Ah, já sei, você está querendo me assustar, é isso?
            Ig permaneceu em silêncio. Seu olhar assustou mais ainda a ela. Estava muito estranho. Não parecia mais ser ele mesmo.
—  Fale-me alguma coisa. Por que você está assim? E os seus pais, como estão?  —  falou Clara, tentando cortar aquele silêncio.
            Ig aproximou-se dela e deu-lhe um beijo, um beijo de Judas, resmungando em seu ouvido um adeus. Após, uma enorme gargalhada tomou conta dele. Não conseguia mais parar de rir. Mas, o pior de tudo, era o fato de ser uma gargalhada demoníaca, sarcástica. O namorado alegre e brincalhão cedeu lugar a uma figura sombria e satânica. Clara, ao vê-lo assim, fugiu correndo para o interior do casebre, trancando-se. Dali em diante tudo permaneceu em profundo silêncio. Nada mais se ouvia. Aquele silêncio deixou-a com mais medo. Estava totalmente confusa. Não sabia mais o que pensar. Não conhecia mais aquela pessoa que estivera com ela. Abaixou-se num dos cantos, iniciando um choro de pavor. Ouve, contudo, umas pancadas na porta. Sem saber o que fazer, ela grita forte:
—  O quê você quer comigo? Pare com isso! É uma brincadeira sua, não é?
—  Claro que é, meu amor. Abra logo!
            Ela, sem outra saída, abriu a porta. Quando olhou para fora, começou a gritar histéricamente. Viu, diante de si a Ig, o velho da balsa e o andarilho. Os três tinham em suas faces o mesmo sorriso assustador.
—  Ah, não! Socorro, socor...
—  Acorde Clara, acorde filha. Você está tendo um pesadelo  —  disse sua mãe.

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